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Michel Alcoforado

Coreia do Sul: tradição e modernidade em choque

Michel Alcoforado

21/02/2020 04h00

A Coreia é pop! Tenho certeza que você já se deu conta disso depois que assistiu ou ouviu falar de "Parasita" (2019), produção sul-coreana do diretor Bong Joon-Ho. (Se você não sabe do que se trata, você não deve fazer parte desse mundo. Clique aqui.)

O longa-metragem campeão nas principais categorias do Oscar 2020 mostra o conflito de classes tragicômico por que passa o país asiático mais festejado do momento. 

Pelas próximas semanas, a Coreia do Sul será tema de minhas colunas para o TAB. Esse país, que há poucas décadas era mais pobre do que o nosso, está conseguindo crescer e mostrar a cara ao mundo, em uma guinada capitalista de fazer inveja.

 Segundo o Banco Mundial, há 35 anos o PIB per capital sul-coreano era inferior ao do Brasil. Hoje, os números da Coreia do Sul são três vezes mais altos: em torno de US$ 27,2 mil contra US$ 8,6 mil do Brasil. O PIB da Coreia representa 66% do registrado pelos EUA, enquanto o do Brasil não chega a 26% do resultado norte-americano.

Em sua ascensão meteórica, a Coreia tem sido comparada ao Brasil – ou melhor, ao que poderia ter sido o Brasil. O país asiático, dividido ao meio depois da Segunda Guerra Mundial, seria uma versão progressista do nosso, uma espécie de "Brasil que deu certo", onde a educação é a base para aumentar a produtividade e alavancar o país tecnologicamente.

As comparações na área educacional são tristes – para nós. De acordo com o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), os alunos sul-coreanos lideram o ranking mundial de desempenho em matemática, ciência e leitura. Em 2011, 82% dos jovens do país estavam matriculados em universidades, enquanto no Brasil, o número de alunos frequentando o Ensino Superior atingiu apenas 18%. 

No Brasil, em 2014, 19% dos adolescentes concluíram o Ensino Médio na idade certa (até os 17 anos). No mesmo período, 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram os estudos. Já na Coreia do Sul, a porcentagem de jovens que termina a formação no tempo correto é de 93%. E a evasão é praticamente nula.

E assim eles vão dominando o mundo culturalmente. "Parasita" fez barulho no Ocidente na mesma onda que trouxe o K-Pop e a K-Beauty. Certamente, outros "Ks" virão, provando que a Coreia do Sul está na moda, invadindo (como um parasita?) a economia, a cultura e o comportamento ocidentais. É o que os os especialistas chamam de "hallyu" — essa onda cultural coreana que já toma os rostos, os ouvidos, os corpos e as mentes do mundo.

Tudo isso de um jeito deles. A cultura coreana  "consome e cospe" o Ocidente todos os anos. Apropria-se de territórios culturais típicos dos países ocidentais (a maquiagem francesa, a indústria pop e o cinema norte-americano, entre outros) e aplica uma lógica taylorizada de produção em massa de produtos culturais coreanos. É o Ocidente com sotaque. Algo parecido com o lugar que o Brasil teve na segunda metade do século 20 com a expansão do futebol, da bossa nova e do Cinema Novo. 

No entanto, é preciso que fique claro que  toda essa aceleração nas áreas tecnológica, econômica e educacional tem um alto custo social. E é aí que tradição e a modernidade se chocam. O tempo da economia não é o mesmo tempo da cultura. A Coreia do Sul tem rostinho de novinha esvoaçando, mas ainda pensa como uma senhora presa às tradições. Aqui reside boa parte dos dilemas vividos pelo país nos dias de hoje. 

E é sobre isso que vamos tratar aqui, nos próximos artigos: aonde vai dar todo esse esforço para se encaixar nos moldes do capitalismo do Ocidente?

Um exemplo: há no senso comum uma expectativa de os homens de se tornarem bons partidos até a idade do casamento — por volta dos 30, do tipo que a namorada queira levar para conhecer os pais. O sujeito precisa ser "o cara" para conseguir casar. Isso significa estar com a vida estabilizada, ter um bom emprego e boa condição financeira para bancar uma família. Essa condição é exibida com o máximo de símbolos de luxo que puderem adquirir, em butiques como Cartier e Louis Vuitton desde o primeiro encontro com as possíveis pretendentes.

Já para as mulheres da elite sul-coreana, os planos são estudar e ter uma carreira somente até se casar. Depois, o seu "job" passa a ser a casa, a alimentação e a educação dos filhos que, para além das horas na escola, precisam se dedicar exaustivamente a atividades extracurriculares. 

Outra coisa são as plásticas. Pelas ruas de Gangam, bairro chique da capital, é possível ver homens e mulheres enfaixados depois terem feito procedimentos estéticos no horário livre. Muitos aproveitam a hora do almoço para fazer um cirurgia de pálpebras. Lipo se faz manhã e se sai à tarde. É tudo "pali pali" (rápido, rápido — como dizem os nativos a todo tempo). O padrão de beleza é influenciado pelo Ocidente e adaptado a lógica coreana. É antropofagia pura.

Os sul-coreanos estão comprometidos em mostrar ao mundo que são um Tigre Asiático, mas é diferente. É sofisticada e globalizada. É Leste e Oeste. É Ocidente e Oriente. Alguma dúvida de que vai conseguir?

Nem Hollywood tem mais.

Sobre o Autor

Michel Alcoforado Doutor em Antropologia, Michel Alcoforado se especializou em Antropologia do Consumo pela University of British Columbia, no Canadá, onde trabalhou prestando consultorias para agências especializadas em pesquisa de mercado, comportamento do consumidor e tendências de consumo. No Brasil, fez pesquisas sobre comportamento de consumidor on e off-line, especializou-se em Planejamento Estratégico de Comunicação e trabalhou como estrategista para grandes marcas. É pós-graduado em Comunicacão Integrada na ESPM e em Brand Luxury Management na London College of Fashion. Palestrante no Brasil e no Exterior, é membro do Instituto Millenium - um dos maiores think tanks brasileiros, colunista da revista Consumidor Moderno e Sócio-diretor da Consumoteca – uma boutique especializada no consumidor brasileiro. Atualmente, cursa um MBA na Berlin School of Creative Leadership/ Steinbeis University.

Sobre o Blog

O ritmo de mudanças da vida contemporânea desafia o nosso entendimento. É cada vez mais comum nos confrontamos com notícias surreais, histórias mirabolantes e casos surpreendentes. O mundo parece não fazer mais sentido. Nesse blog, vamos nos debruçar sobre comportamentos cotidianos e processos de transformação da sociedade para entender quem somos.