A elite brasileira é egoísta
Acabo de chegar da Universidade de Leiden onde fui convidado para participar de uma conferência internacional. Pesquisadores do mundo todo se reuniram na pequena cidade holandesa para entender a relação de diferentes culturas com o dinheiro. Em Pequim, Istambul ou Calicute, a vida se resolve entre o crédito ou débito, mas as pessoas gastam, investem e doam o que ganham de maneiras muito diversas.
Coube a mim a dura tarefa de explicar como o Brasil, a oitava maior economia do planeta, ocupa a 122º posição no ranking dos países mais comprometidos com filantropia, doação e solidariedade. Na América Latina, apesar da opulência econômica e política, estamos na lanterninha. Proporcionalmente ao tamanho de nossas economias, doamos menos que Bolívia, Honduras e Colômbia. Isso para não lembrar que Sudão do Sul, Quênia, Sri Lanka e Gâmbia, nações com sérios problemas socioeconômicos, ocupam posições melhores no ranking de 144 países criados pelo World Index Giving.
Explicações não faltam. Explicadores também não.
Diante dos fatos, Fernando Schuller, cientista político, prefere culpar as instituições. Defende que nos Estados Unidos há um claro modelo de incentivo à filantropia por conta dos abatimentos expressivos nos impostos de renda dos generosos. E ainda lembra o imbróglio burocrático que os doadores brasileiros têm de enfrentar caso queiram contribuir para organizações públicas.
Para Andrea Wolffenbuttel, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, os países desenvolvidos contam com uma população com níveis mais altos de educação, o que contribuiu para que todos tenham mais consciência de seu importante papel na sociedade. Outros, como João Paulo Vergueiro, da Associação Brasileira de Captação de Recursos, acreditam que, nos países com economia mais robusta, já se consolidou o hábito de ajudar pessoas e causas que contribuam na construção de uma sociedade mais justa.
Tudo balela.
É verdade que o modelo tributário americano incentiva as doações. Por lá, pode-se abater de 30% a 50% dos rendimentos tributáveis com a filantropia. Mas, também é verdade que, quando o assunto é imposto, o Brasil é um mar de benesses para os mais ricos.
O país não taxa dividendos dos acionistas, não taxa grandes fortunas de maneira progressiva, tem um imposto sobre patrimônio herdado ridículo (4% a 8%) e a tributação média paga pelos mais ricos gira em torno de 12%. A elite brasileira não paga impostos e também não doa. Eles preferem gastar com bolsas e relógios em Miami.
Desde de 2010, venho pesquisando o jeito brasileiro de ser rico. Entrevistei mais de 120 milionários e bilionários – entre eles, ricos tradicionais e novos ricos. Viajei para Dubai, Miami, Paris, Nova York, Genebra, África do Sul, Botswana, Londres, entre outros lugares. Frequentei clubes exclusivos, cursos fechados para grupos de amigos sobre História da Arte. Fui a jantares especiais e leilões beneficentes. Acompanhei de perto o trabalho de escritórios de contabilidade e de administração de grandes fortunas. E vi de perto o sentido que os ricos brasileiros dão ao dinheiro gasto, guardado e doado.
E ainda fica a pergunta: Por que não doam? Como uma das maiores economias do mundo, com mais de 154 mil milionários e 58 bilionários, possui uma das taxas de doação para filantropia mais baixas de todo o planeta? A minha tese é que a elite brasileira já se acostumou com as desigualdades sociais gritantes que permeiam o país. E mais: ao contrário dos ricos americanos, os brasileiros veem o Estado e a sociedade como uma ameaça ao sucesso individual. Como resultado, quando ricos, acham que não devem nada a ninguém e não se sentem obrigados a contribuir para o desenvolvimento das sociedades. Para eles, tudo é culpa e papel do Estado.
Vejamos as diferenças entre o caso americano e o brasileiro.
Em 2010, Melinda e Bill Gates, sócios da Microsoft, e Warren Buffet, grande investidor, criaram a The Giving Pledge – uma organização que busca incentivar pessoas e famílias com grandes fortunas a contribuir com uma parte significativa de sua riqueza para causas sociais. Hoje, a instituição conta com 175 ricaços que se comprometeram a doar, no mínimo, mais de 50% da fortuna acumulada ainda em vida.
O casal Gates já doou mais de US$ 36 bilhões. Quando perguntada sobre o porquê, Melinda disse em uma entrevista: "Eu vejo como um processo muito natural. É claro que o dinheiro que nós ganhamos é resultado do nosso trabalho duro, mas nós devemos algo à sociedade. O lugar onde nascemos, as escolas onde estudamos, as pessoas que encontramos, os livros que lemos foram fundamentais para o nosso sucesso. Nós podemos tomar riscos que o Estado não pode tomar".
Já o discurso das elites brasileiras é muito diferente. Em minhas entrevistas, quando lembram do próprio passado, nossos ricos o fazem com especial ênfase à capacidade que tiveram de superar os problemas e entraves criados pela sociedade e pelo Estado. Isto é, eles acreditam que ficaram ricos apesar da burocracia, da baixa produtividade do trabalhador brasileiro, da corrupção, das crises econômicas e por aí vai.
Além disso, com o retorno do discurso neoliberal, muitos creem que os verdadeiros injustiçados na sociedade brasileira são os empresários. Eles geram riqueza e criam empregos, apesar do contexto desfavorável. O Estado é visto como uma ameaça e a sociedade como uma fraqueza para o sucesso dos indivíduos. Tal fato dificulta a construção de vínculos de solidariedade ou reciprocidade com a comunidade e dificulta os ciclos de doação.
Como me disse um dos homens mais ricos do Brasil em um jantar em sua casa: "Eu dei certo por causa do meu esforço e da educação que meus pais me deram. Se devo alguma coisa pra alguém, é para eles, para a minha família. É por isso que assim que eu comecei a ganhar dinheiro comprei uma casa bonita para eles, no melhor bairro da cidade e dei todo o conforto até a morte".
Aqui grita a diferença. Enquanto os bilionários americanos acreditam que trabalharam duro e tiveram sucesso também por causa da sociedade, lhes parece normal que tenham de retribuir através das doações. No Brasil, os ricos brasileiros pensam diferente. Eles falam com rancor do sucesso obtido apesar da sociedade onde cresceram, não se sentem em dívida com ninguém e, consequentemente, não doam.
A The Giving Pledge conta com bilionários de mais de 21 países. Apesar de o Brasil ter 58 aptos a participar, somente um se comprometeu a doar 60% da fortuna acumulada ainda em vida. É o empresário da construção civil Elio Horn. Dono de uma das maiores empresas do setor, a Cyrella, o empresário é um self made man. Nasceu na Síria, emigrou para o Brasil com 10 anos e começou a trabalhar vendendo produtos de porta em porta. Entrou no mercado imobiliário vendendo e comprando apartamentos e terrenos. Fez fortuna. Agora, divide seu tempo organizando a doação do patrimônio e tentando convencer os outros bilionários brasileiros a entrarem no grupo e doarem suas fortunas. Sem nenhum sucesso.
Quando perguntado em uma entrevista recente sobre por que se comprometeu em doar tanto dinheiro, Elio é direto: "Eu me considero um pouco egoísta. Eu faço bem por proveito próprio porque faz bem pra mim e se tornou um hábito". E se todos fossem egoístas iguais a você, que maravilha seria viver. Pensei, me lembrando do poeta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.