Coreia do Sul: tradição e modernidade em choque
A Coreia é pop! Tenho certeza que você já se deu conta disso depois que assistiu ou ouviu falar de "Parasita" (2019), produção sul-coreana do diretor Bong Joon-Ho. (Se você não sabe do que se trata, você não deve fazer parte desse mundo. Clique aqui.)
O longa-metragem campeão nas principais categorias do Oscar 2020 mostra o conflito de classes tragicômico por que passa o país asiático mais festejado do momento.
Pelas próximas semanas, a Coreia do Sul será tema de minhas colunas para o TAB. Esse país, que há poucas décadas era mais pobre do que o nosso, está conseguindo crescer e mostrar a cara ao mundo, em uma guinada capitalista de fazer inveja.
Segundo o Banco Mundial, há 35 anos o PIB per capital sul-coreano era inferior ao do Brasil. Hoje, os números da Coreia do Sul são três vezes mais altos: em torno de US$ 27,2 mil contra US$ 8,6 mil do Brasil. O PIB da Coreia representa 66% do registrado pelos EUA, enquanto o do Brasil não chega a 26% do resultado norte-americano.
Em sua ascensão meteórica, a Coreia tem sido comparada ao Brasil – ou melhor, ao que poderia ter sido o Brasil. O país asiático, dividido ao meio depois da Segunda Guerra Mundial, seria uma versão progressista do nosso, uma espécie de "Brasil que deu certo", onde a educação é a base para aumentar a produtividade e alavancar o país tecnologicamente.
As comparações na área educacional são tristes – para nós. De acordo com o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), os alunos sul-coreanos lideram o ranking mundial de desempenho em matemática, ciência e leitura. Em 2011, 82% dos jovens do país estavam matriculados em universidades, enquanto no Brasil, o número de alunos frequentando o Ensino Superior atingiu apenas 18%.
No Brasil, em 2014, 19% dos adolescentes concluíram o Ensino Médio na idade certa (até os 17 anos). No mesmo período, 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram os estudos. Já na Coreia do Sul, a porcentagem de jovens que termina a formação no tempo correto é de 93%. E a evasão é praticamente nula.
E assim eles vão dominando o mundo culturalmente. "Parasita" fez barulho no Ocidente na mesma onda que trouxe o K-Pop e a K-Beauty. Certamente, outros "Ks" virão, provando que a Coreia do Sul está na moda, invadindo (como um parasita?) a economia, a cultura e o comportamento ocidentais. É o que os os especialistas chamam de "hallyu" — essa onda cultural coreana que já toma os rostos, os ouvidos, os corpos e as mentes do mundo.
Tudo isso de um jeito deles. A cultura coreana "consome e cospe" o Ocidente todos os anos. Apropria-se de territórios culturais típicos dos países ocidentais (a maquiagem francesa, a indústria pop e o cinema norte-americano, entre outros) e aplica uma lógica taylorizada de produção em massa de produtos culturais coreanos. É o Ocidente com sotaque. Algo parecido com o lugar que o Brasil teve na segunda metade do século 20 com a expansão do futebol, da bossa nova e do Cinema Novo.
No entanto, é preciso que fique claro que toda essa aceleração nas áreas tecnológica, econômica e educacional tem um alto custo social. E é aí que tradição e a modernidade se chocam. O tempo da economia não é o mesmo tempo da cultura. A Coreia do Sul tem rostinho de novinha esvoaçando, mas ainda pensa como uma senhora presa às tradições. Aqui reside boa parte dos dilemas vividos pelo país nos dias de hoje.
E é sobre isso que vamos tratar aqui, nos próximos artigos: aonde vai dar todo esse esforço para se encaixar nos moldes do capitalismo do Ocidente?
Um exemplo: há no senso comum uma expectativa de os homens de se tornarem bons partidos até a idade do casamento — por volta dos 30, do tipo que a namorada queira levar para conhecer os pais. O sujeito precisa ser "o cara" para conseguir casar. Isso significa estar com a vida estabilizada, ter um bom emprego e boa condição financeira para bancar uma família. Essa condição é exibida com o máximo de símbolos de luxo que puderem adquirir, em butiques como Cartier e Louis Vuitton desde o primeiro encontro com as possíveis pretendentes.
Já para as mulheres da elite sul-coreana, os planos são estudar e ter uma carreira somente até se casar. Depois, o seu "job" passa a ser a casa, a alimentação e a educação dos filhos que, para além das horas na escola, precisam se dedicar exaustivamente a atividades extracurriculares.
Outra coisa são as plásticas. Pelas ruas de Gangam, bairro chique da capital, é possível ver homens e mulheres enfaixados depois terem feito procedimentos estéticos no horário livre. Muitos aproveitam a hora do almoço para fazer um cirurgia de pálpebras. Lipo se faz manhã e se sai à tarde. É tudo "pali pali" (rápido, rápido — como dizem os nativos a todo tempo). O padrão de beleza é influenciado pelo Ocidente e adaptado a lógica coreana. É antropofagia pura.
Os sul-coreanos estão comprometidos em mostrar ao mundo que são um Tigre Asiático, mas é diferente. É sofisticada e globalizada. É Leste e Oeste. É Ocidente e Oriente. Alguma dúvida de que vai conseguir?
Nem Hollywood tem mais.
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